Por Guilherme Casarões, cientista político e professor da FGV
Poucas horas depois de duas importantes coletivas do governo sobre o novo coronavírus, Eduardo Bolsonaro achou que seria uma boa ideia começar uma crise diplomática com o governo chinês.
Afeito à verborragia virtual, o deputado comparou a resposta chinesa à tragédia de Chernobyl, na antiga União Soviética, e culpou o Partido Comunista Chinês pelo alastramento da doença.
Trata-se de versão mais branda de uma teoria conspiratória que há tempos circula na seita olavista e que se alastrou recentemente: a China teria fabricado o vírus para destruir e subjugar as economias ocidentais.
Contudo, uma vez difundida pelo filho predileto de Jair Bolsonaro e presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, a acusação assume contornos oficiais.
Não surpreende que a reação chinesa tenha sido rápida. No próprio Twitter, tanto Embaixada quanto embaixador da China em Brasília repreenderam duramente o deputado, acusando-o de reproduzir a cantilena trumpista.
De fato, Trump vem usando a expressão “vírus chinês” para insuflar o antagonismo contra a China em meio a uma guerra comercial e tecnológica.
Mas se, nos EUA, a cortina de fumaça tem funções geopolíticas, no caso brasileiro ela vem mascarar a incompetência do governo em lidar, de maneira responsável e coesa, com a crise de saúde pública que se avizinha.
O risco de um desentendimento maior com a China, nosso principal parceiro comercial, fez com que a bancada ruralista, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia e até mesmo o vice-presidente Hamilton Mourão condenassem a fala do “zero-três”.
Contrariado, até o olavista Ernesto Araújo teve que se posicionar. Reiterou que Eduardo não fala em nome do governo e exigiu um pedido de desculpas do embaixador – que dificilmente acontecerá, pois não foi ele que começou a briga.
O episódio nos deixa três lições importantes. A primeira é que, em nossa filhocracia, existe uma confusão permanente entre o que é do governo e o que é do parlamento, estimulada pelo próprio presidente.
A segunda é que, a exemplo do que vimos nas rusgas com França e Alemanha, criar inimigos externos para desviar o foco de problemas domésticos é sempre um risco enorme, pois os desdobramentos são imprevisíveis.
Por fim, mas não menos importante, já passou da hora de deixarmos os adultos governarem. Em se tratando de política externa, de preferência longe das redes sociais.
*Artigo originalmente publicado em O Estado de S. Paulo.