Por Igor Rocha e Gabriel Galípolo
A atual pandemia do COVID-19 tem causado sérios danos às economias. Diversas regiões no mundo desenvolvido assistiram ao colapso dos seus sistemas de saúde, combinado a uma abrupta e profunda queda na atividade econômica. Nas palavras de Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, o colapso econômico da União Europeia terá amplitude e velocidade “sem precedentes em tempos de paz”. Segundo a Comissão Europeia, apesar do início da flexibilização das medidas de isolamento, a economia da zona do euro deverá encolher 7,7% em 2020.
No Brasil, a pandemia encontra a economia brasileira e a infraestrutura do sistema de saúde debilitados por anos de crise e restrição orçamentária. A curva de contaminação ainda não apresenta um ponto claro de inflexão e o número de mortos cresce a cada dia. A absoluta incerteza quanto ao futuro e retorno à normalidade, desencadeia projeções econômicas de uma retração jamais vista no período contemporâneo. Cenários “otimistas” de uma retração de pelo menos 5% já são uma realidade.
Na infraestrutura, setor importante na mobilização de investimentos expressivos, geração de empregos e ganhos de competitividade para o conjunto da economia, os efeitos são avassaladores. Por exemplo, no setor aéreo, um dos mais afetados, empresas já relatam queda de 80% nas operações nos aeroportos. Estimativas indicam que poderá demorar de 2 até 4 anos para as atividades do setor retomarem aos níveis pré-crise. Nas rodovias, a queda do volume de tráfego de quase 50% para veículos leves e cerca de 25% para veículos pesados é uma triste realidade. Concessionários de transportes públicos nas principais metrópoles do país relatam queda de 50% a 80% na demanda de seus serviços. A desestruturação da situação financeira das concessionárias provocará uma onda (justificada) de pleitos de reequilíbrios ao poder público.
Para além da situação corrente do setor, as expectativas de investimento também não são otimistas. Estamos em um momento de extrema elevação na preferência pela liquidez, ambiente inóspito para projetos intensivos em capital e de longo prazo de maturação, como os de infraestrutura. Será muito difícil tornar o setor atrativo para financiadores e investidores sem uma articulação coordenada entre setor público e privado.
Na literatura, é amplo o consenso da complementaridade do investimento público e privado em infraestrutura, sendo a sua composição determinada pelo ciclo econômico. Tal como lembram Kremer e Willis (2016), ambos da Universidade de Harvard, o investimento público em infraestrutura não somente é importante para promover o investimento privado no próprio setor, mas também da economia como um todo. Para tanto, o compromisso com investimentos futuros em infraestrutura pública é o que garante um resultado eficiente por parte do investimento privado. Em outras palavras, transparência, previsibilidade e planejamento do investimento público são importantes para o crowding in com o setor privado.
A despeito do reconhecido poder do setor de fomento à cadeia, para frente e para trás, há anos o debate acerca da agenda de infraestrutura é consumido por uma polarização entre o público e o privado. Um antagonismo radical, possível de existir apenas no campo imaginário caricatural.
Obras públicas não significam uma atuação puramente estatal, sem participação do setor privado. Estas, bem como muitos dos serviços necessários às empresas estatais, são realizadas por empresas privadas. Privatizar ou conceder não representam a eliminação da presença do Estado naquela atividade. Contratos de concessão ou PPP podem proporcionar melhores incentivos à iniciativa privada para o alcance do interesse público, mas dependem da atuação do Estado, seja na regulação ou no fomento das atividades empresariais diretas, para alcançarem seus objetivos.
É com esse pragmatismo que, ao longo da história, diversos governos empreenderam ações objetivas no desenho de suas políticas públicas, deixando como lição a vitória da realidade sobre os demais “ismos” do debate ideológico. Na vida real, a economia e a sociedade são constituídas por ambos: Estado e Mercado.
Podemos recordar que os investimentos em infraestrutura foram protagonistas na recuperação e alteração do panorama da economia e sociedade na Europa do pós guerra. Movimento semelhante havia ocorrido nos Estados Unidos dos anos de 1930, onde se narrava a história de uma nação lutando pela sua sobrevivência. Após o crash da bolsa em 1929, os Estados Unidos ingressavam a década de 1930 com sua taxa de desemprego superior a 22%. Na eleição de 1932 se estabeleceu o debate da cautela e a paciência para superação da crise, representada pelo Presidente Herbert Hoover vis-à-vis um “novo acordo” proposto por Franklin Roosevelt que demandava “ação agora!”. Roosevelt implementou o New Deal e nos mostrou que “os únicos limites das nossas realizações de amanhã são as nossas dúvidas e hesitações de hoje”.
Kremer e Willis (2016), “Public and Private Infrastructure”. AEA annual meeting. January 5, 2016. São Francisco, CA.