O Banco Central tem condições de colocar o juro a zero? Tem.

Por Fábio Terra (UFABC e PPGE-UFU)

O Copom decide hoje, 06 de maio de 2020, um novo patamar para a taxa Selic. Esta reunião do Comitê ocorre em meio à pior crise econômica já enfrentada pela economia brasileira. Há certo consenso de que a Selic será reduzida, mas a questão é: o BC tem condições de reduzir a Selic a zero? Sim, ele tem. Explico por quê.

O país corre o risco de deflação. Embora muita gente ache que isso é bom, não é. Deflação significa destruição de riqueza, perda de capital, desvalorização de patrimônio. Alguns dos preços macroeconômicos básicos, como salário e energia, não mostram qualquer possibilidade de aumento imediato (lembrem-se, o desemprego aumentará muito, segurando salários; o preço futuro de petróleo andou negativo dias atrás). O câmbio desvalorizado, por sua vez, é incapaz de se traduzir em inflação com a atividade econômica na sua penúria atual. Logo, não há risco inflacionário no curto prazo, ou seja, até pelo menos fins de 2021.

Além disso, as expectativas estão bem comportadas. Sejam as expectativas de inflação futura, sejam as expectativas sobre o comportamento do próprio BC entre o hoje e o amanhã, ambas estão bem ancoradas. Desta forma, uma ação mais agressiva do BC agora não seria vista como um blefe ao mercado, descoordenando expectativas. Assim, os agentes marcadores de preço não se protegeriam a uma redução mais intensa dos juros básicos elevando seus preços. Em suma, o BC tem feito boa coordenação de expectativas, que no jargão econômico chamamos de forward guidance.

E os juros longos, não disparariam com a Selic em zero? Não. Por duas razões. Por um lado, há, como dito, forward guidance, o que dirime riscos e ancora expectativa futura. Por outro lado, com a PEC do orçamento de guerra, que precisa ser aprovada logo, o BC poderá atuar nos juros de longo prazo de maneira mais incisiva. Não há player capaz de competir com o BC e, assim, ele consegue amenizar eventuais pressões altistas sobre os juros futuros.

E o dólar, investidores estrangeiros não baterão em fuga? Vários, sim. O problema disso não é repasse à inflação, pois não há atividade econômica para repassar a desvalorização cambial. O problema é intensificar a perda de reservas internacionais. Porém, como dito acima, o BC vai atuar no mercado secundário de título público. Assim, ele pode administrar juros de títulos públicos de médio/longo prazo, prefixados e com renda fixa sobre a inflação (os títulos híbridos) em valores que consigam equivaler o diferencial de juros internacionais. Assim, o capital estrangeiro encontraria remuneração aqui, protegendo as reservas. Aliás, como temos reservas, nosso risco cambial é mais baixo.

E qual o benefício mais imediato dos juros em zero? De fato, com a atividade econômica parada, ele não vai estimular a economia como um todo (não há economia como um todo funcionando – e nem haverá mesmo se a atividade econômica for liberada; sem ilusões, por favor). Em termos de atividade, o juro zero pode estimular alguns setores que estão permitidos a operar e que podem responder positivamente, como a construção civil em seus diversos setores, do imobiliário à infraestrutura.

O efeito mais relevante do juro zero neste instante é retirar o custo de a União financiar o esforço de combate ao coronacrise – e se ela não agir, ninguém o fará: será a declaração do caos. O juro zero levará o custo das reservas bancárias a zero. Injeções de liquidez via gasto público, financiado por exemplo por recursos próprios da Conta Única, terão suas sobras no mercado monetário enxugadas a uma Selic a zero, sem custo. Mesmo gastos financiados por dívida pública longa terão seu custo reduzido, pois a colocação da Selic a zero e a ação do BC no mercado secundário de títulos reduzirão o custo médio da dívida.

Com isso, por sinal, a TLP cairá, juros que financia empréstimos do BNDES, barateando o financiamento de parte dos planos de investimento em infraestrutura. Aliás, a redução do custo médio da dívida descrita acima ainda fará com que os dispêndios financeiros da União sejam menores, agora e depois, contribuindo para as finanças públicas.

O DI, juro privado correlato à Selic, em suas várias maturidades, deve descolar um pouco da Selic a zero, num primeiro momento. Mas, com a economia sob risco de deflação, com BC bem ancorando expectativas e atuando no mercado de dívida secundário, com Tesouro garantindo recompra de dívida (como sempre faz), o DI tende a seguir a Selic. Ademais, de que adianta um DI acima de zero se tomar recurso do BC custará zero?

Enfim, o Copom tem tudo para colocar a Selic a zero. Mas, duvido que o fará. Acredito que será gradualista na redução do juro básico, o que neste caso pode significar chegar atrasado para o combate à coronacrise. Há muita pressão sobre a política monetária olhar para frente: mas, o mesmo Copom, há um ano, ao olhar para frente, sabia do coronacrise? O presente nunca vale? Vale relembrar a Legião Urbana neste instante, não com “Que país é este?” que sempre cabe, mas com “o futuro não é mais como era antigamente”.

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