É possível construir uma economia competitiva e sustentável?

Por Guilherme Magacho, PhD pela Universidade de Cambridge, Professor da UFABC e Pesquisador Associado da EAESP/FGV.

Embora o dinamismo econômico seja fundamental para a melhoria da qualidade de vida da população, ele não é o objetivo único de uma sociedade. Conjuntamente ao crescimento da renda e da competitividade dos setores econômicos, outros fatores, como a redução das desigualdades e proteção ao meio-ambiente devem ser compreendidos como alvos do desenvolvimento social. Desta forma, os incentivos que guiam os investimentos públicos e privados precisam ser desenhados de forma a garantir que os custos ambientais dos projetos sejam internalizados, a poluição seja mantida em níveis mínimos, o consumo material seja reduzido e que, na medida do possível, os insumos sejam reciclados e reutilizados. Eles devem ser guiados, portanto, por um duplo objetivo: garantir o desenvolvimento econômico e a geração de riquezas; e, simultaneamente, manter o consumo de recursos e a poluição de acordo com a biocapacidade do planeta.

Para se garantir ganhos de produtividade e, portanto, promover uma economia competitiva, é preciso promover uma realocação de recursos de setores com baixa produtividade para setores intensivos em conhecimento, os quais apresentam maior produtividade. Porém, a utilização mais eficiente de recursos naturais é, paralelamente aos ganhos de produtividade do trabalho, fundamental para o fomento de uma economia verde. Embora cada vez menos recursos naturais sejam necessários para se produzir a mesma quantidade de produto, esses avanços não têm sido suficientes para compensar o crescimento da produção mundial, o que implica em um consumo cada vez maior de recursos naturais. Ademais, a construção de uma economia competitiva sustentável demanda a promoção de setores eficientes em termos da contaminação do meio ambiente. Segundo o Painel Internacional de Mudanças Climáticas, houve um aumento das emissões de gases de efeito estufa de 33 para 49 Gt de CO2e entre 1980 e 2010. Nesse sentido, a substituição de atividades econômicas geradoras de resíduos e poluentes por atividades limpas é fundamental para garantir desenvolvimento econômico compatível com desenvolvimento sustentável.

Como o crescimento econômico é comumente associado à poluição e degradação do meio-ambiente, formuladores de políticas públicas que visam apenas à expansão econômica são muitas vezes contrários a medidas de proteção ambiental. No entanto, há alguns grupos de políticas que se colocam em oposição a essa visão, estimulando a competitividade econômica e promovendo a proteção do meio ambiente. A promoção da diferenciação dos produtos pelo menor impacto ambiental, por exemplo, é capaz de fomentar atividades competitivas e sustentáveis. Medidas como essas podem estimular melhores práticas ambientais na medida em que há consumidores que podem pagar um prêmio, ou seja, um valor mais alto, pelo produto ambientalmente correto, e isso pode mais do que compensar os maiores custos de produção. No entanto, para conseguir acessar esses mercados e obter esse prêmio, são necessárias sinalizações, que podem ser feitas por certificados que garantam que os produtos consomem menos ou até nenhum pesticida, produzem menos poluentes, preservam o solo e a biodiversidade ou que satisfaçam qualquer outro critério ambiental estabelecido pela sociedade. 

Regulações ambientais e compras públicas são muito importantes instrumentos para estimular o desenvolvimento de tecnologias limpas, auxiliando na construção de um segmento produtor de equipamentos e tecnologias limpas dentro dos setores cuja região é mais competitiva. A aplicação de regulamentações mais estritas com relação aos padrões de qualidade do ar na Europa e nos Estados Unidos impulsionou inovações e desenvolvimento de tecnologias limpas, ampliando as oportunidades de negócio para os produtores que ser adiantaram em desenvolver essas tecnologias. Adicionalmente à comercialização da tecnologia e de equipamentos, a venda de créditos de carbono pode servir como um estímulo à consolidação desses segmentos limpos mesmo em setores tradicionais. Às políticas públicas caberia atrair projetos e investimentos por meio da padronização e pela aproximação com empresas estrangeiras. Adicionalmente, regulações ambientais devidamente desenhadas podem estimular inovações que mais do que compensam os custos de curto prazo. Programas que reduzam as assimetrias de conhecimento sobre os procedimentos adotados na cadeia de produção, como programas que estimulem a certificação ISO 14001, tem um relevante impacto sobre a performance ambiental e não prejudicam a competitividade das empresas. Outras políticas públicas que podem se encaixar nesse contexto são relacionadas a incentivos para redução do consumo energético e para melhor utilização da terra, já que muitas vezes há um desperdício desses recursos para produção.

Outras possibilidades de ganhos de competitividade em conformidade com demandas ambientais são especialmente relevantes para países em desenvolvimento e regiões mais pobres. Como a renda dos países em desenvolvimento é bastante relacionada à disponibilidade de recursos naturais, políticas que melhorem a qualidade do ar e do solo e a disponibilidade de água limpa são essenciais para reduzir efeitos negativos sobre a produtividade do trabalho e sobre a geração de renda no futuro. A definição de direitos de propriedade ou normas sociais claras para utilização desses recursos são usualmente soluções adequadas. Ademais, se tratando especialmente de regiões que estão se inserindo tecnologicamente, a adoção de políticas limpas pode evitar que essa região fique afundada em uma tecnologia que não apresentará avanços no futuro. Como a maior parte dos países estão migrando para tecnologias mais limpas, há uma expectativa de que os custos dessas tecnologias se reduzam de forma mais rápida. Portanto, ainda que possam ser mais baratos atualmente, uma infraestrutura e equipamentos que não sejam ambientalmente eficientes podem implicar em custos mais elevados no futuro, pois sua substituição e adequação serão bem mais custosas.

Por fim, outro ponto extremamente relevante para a compreensão dos impactos ambientais do aumento da renda e do crescimento econômico é a questão da estrutura de consumo. Diversos estudos demonstram que há diferenças relevantes na avaliação das emissões tomando como base o consumo e a produção. Alguns setores, embora não sejam relevantes emissores de poluentes diretamente, tem elevado impacto ambiental indireto, pois sua cadeia de produção utiliza muitos recursos e produz muito mais poluentes do que o setor que está na ponta da cadeia. Nesse sentido, a reestruturação da cesta de consumo, priorizando bens e serviços que tenham cadeias produtivas menos poluentes e que tenham menor impacto ambiental, é fundamental para reduzir os prejuízos ambientais causados pelo crescimento econômico.

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