Por quê os juros foram tão altos no Brasil? Uma lista de motivos – e mais um

Por Fábio Terra, economista e professor da UFABC.

Os baixos juros que vigoram atualmente no Brasil são uma exceção à regra. Ao longo dos anos sempre tivemos elevadas taxas de juros em toda a extensão da curva de juros, partindo, inclusive, de elevados juros básicos do Banco Central. Qual a razão de termos tido – embora atualmente este não seja o caso – elevados juros no Brasil?

Os objetivos deste artigo são dois, por um lado, reunir e listar os motivos mais recorrentes apontados para os juros altos pelas análises, de qualquer perspectiva teórica (ou mesmo prática) que as norteiem. Por outro lado, insere-se mais um motivo na lista: os juros convencionais que vigoram no país.

Vários fatores concorreram para continuamente manter elevados os juros brasileiros. Abaixo listam-se onze elementos explicativos. A depender da conjuntura econômica, e da perspectiva teórica do analista, um ou outro fator é tido como preponderante, mas dificilmente juros elevados são explicados por apenas uma causa. Então, qual a lista das razões dos altos juros no Brasil? Segue-se o rol, apresentado sem hierarquia e sem profundas explicações, pois não se pretende esgotar o assunto aqui, mas apenas apresentá-lo de forma mais sistematizada.

(1) O fluxo do desarranjo fiscal (despoupança pública) e o estoque da dívida pública,  que geram sensação de risco por parte do comprador de títulos da União e o faz pedir juros mais elevados de ponta longa para premiar sua sensação de risco.

(2) O grau de abertura da conta financeira do balanço de pagamento que, dada a posição subordinada do Real no sistema monetário e financeiro internacional, bem como o impacto do pass-through do câmbio ao preço doméstico, faz com que a taxa de juros básica tenha que embutir o prêmio que suavize oscilações dos fluxos que determinam o câmbio, fator hoje amenizado pelo contingente de reservas que o Brasil possui e por mecanismos como os swap cambiais.

(3) Baixa poupança privada, que pode ser compreendida, pelo lado real da economia, como a maior parte de nossa oferta ser demandada via consumo, restando pouco espaço para aumento dos investimentos; assim, a qualquer aumento destes, pressiona-se a capacidade de oferta da economia, os preços e, logo, os juros. No âmbito financeiro, isso pode ser notado pela baixa oferta de funding, o que também pressiona os juros.

(4) Elevado recolhimento compulsório: reduz a liquidez disponível no sistema financeiro, implicando maior preço (juros) à oferta de moeda que se faz.

(5) Inadimplência, que pouco impacta o juro básico, mas é usado pelo sistema bancário para se justificar o elevado prêmio nos juros de varejo.

(6) Concentração bancária, que confere, por um lado, elevado poder de criação de liquidez a poucos bancos e implica, portanto, uma espécie de oligopsônio nas transações de mercado aberto deles com o Banco Central, condicionando o preço que este paga ao fazê-las, isto é, o juro básico; por outro lado, a concentração também dá alto poder de mercado aos bancos para determinar o preço (juros) cobrado em varejo.

(7) O perfil da dívida pública (inclusive as operações compromissadas), que é a principal riqueza financeira do País, é em parte pós-fixada, o que elimina o efeito-riqueza, retira eficiência da política monetária, e exige juros mais elevados para compensar.

(8) Uma certa competição por demandantes voluntários de títulos de política fiscal (que a sociedade acessa diretamente, por exemplo, via fundos e Tesouro Direto) e de títulos usados nas operações de mercado aberto (que não se acessam diretamente, mas que os bancos colocam nos seus fundos para oferecer segurança ao seu portfólio fazendo das compromissadas, assim, um fundo de investimento e não meramente uma controladora da liquidez). Essa competição ocorre devido à estrutura do mercado de dívida pública vigente no Brasil, em que financiamento do déficit e operações de mercado aberto foram fundidos no período de alta inflação e jamais corrigidos.

(9) A dificuldade de o juro básico, dado que ele atua de forma indireta sobre a atividade econômica, coordenar o equilíbrio entre oferta e demanda, além do tempo necessário para tal.

(10) A composição de preços no Brasil é bastante influenciada por fatores de custo e por preços administrados, pouco sensíveis ao juro básico, mas que, por isso, exigem muito dele.

(11) Existência de juros definidos por lei e não sensíveis ao mercado financeiro, como a caderneta de poupança, que implicam um piso ao juro básico.

A estes onze elementos, com a devida vênia por algum que tenha restado esquecido, deve se somar mais um, pouco debatido: os elevados juros convencionais que vigem no Brasil. Inspirada por John Maynard Keynes, profícuo investidor e, portanto, conhecedor dos mercados financeiros, a ideia de juros convencionais é simples: qual o mínimo necessário para que um poupador aceite alocar seus recursos em ativos financeiros?

No Brasil, em muito por culpa de sua história de alta inflação, de caderneta de poupança com remuneração sem risco e liquidez plena, de títulos públicos pós-fixados e com garantia de recompra, muito mais do que apenas os investidores, as pessoas demandam elevados juros mínimos para realocarem suas carteiras: é o juro nosso de cada dia. Assim, o juro convencional forma um patamar mínimo alto para as taxas de juros, uma espécie de histereses dos juros.

Isso causa dois efeitos: por um lado, o Banco Central precisa pagar o elevado juro convencional para exercer sua política monetária. Caso o juro básico caia abaixo do convencional, acomete-se a eficácia da política monetária. Por outro lado, mesmo os bancos precisam estruturar suas operações e seu balanço partindo deste juro mínimo. Eles, ademais, precisam se lastrear em algo que também oferte este mínimo convencional o que, naturalmente, será a principal riqueza financeira do Brasil, a dívida pública. 

É possível que duas causadoras deste juro convencional elevado tenham sido (i) a caderneta de poupança, que habituou o brasileiro a ter algo como uma conta corrente pagadora de juros e (ii) o overnight da época da alta inflação que também oferecia liquidez absoluta com remuneração. Daí a importância de se ter reformado a remuneração da poupança há alguns anos. Se a hipótese do juro convencional elevado é verdadeira, então, reduzi-lo levará tempo. Aliás, considerando-se os onze elementos listados, a tarefa é ainda mais dura, pois eles implicam, ao mesmo tempo, a estrutura do complexo de juros no Brasil e seus movimentos conjunturais.

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